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Que nem pesquisadores nem a população se iludam de que exista indicação terapêutica para utilizar maconha que já seja aprovada pela ciência
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Semanas atrás, a Folha noticiou a proposta de criar-se uma agência especial para pesquisar os supostos efeitos medicinais da maconha, patrocinada pela Secretaria Nacional Antidrogas do governo federal.
Esse debate nos dias atuais, tal qual ocorreu com o tabaco na década de 60, ilude sobretudo os adolescentes e aqueles que não seguem as evidências científicas sobre danos causados pela maconha no indivíduo e na sociedade.
Na revisão científica feita por Robim Room e colaboradores ("Cannabis Policy", Oxford University, 2010), fica claro que a maconha produz dependência, bronquite crônica, insuficiência respiratória, aumento do risco de doenças cardiovasculares, câncer no sistema respiratório, diminuição da memória, ansiedade e depressão, episódios psicóticos e, por fim, um comprometimento do rendimento acadêmico ou profissional.
Apesar disso, o senso comum é o de que a maconha é "droga leve, natural, que não faz mal".
Pesquisas de opinião no Brasil mostram que a maioria não quer legalizar a droga, mas grupos defensores da legalização fazem do eventual e ainda sem comprovação uso terapêutico de alguns dos componentes da maconha prova de que ela é uma droga segura e abusam de um discurso popular, mas ambivalente e perigoso.
O interesse recente da ciência sobre o uso da maconha para fins terapêuticos deveu-se à descoberta de que no cérebro há um sistema biológico chamado endocanabinoide, onde parte das substâncias presentes na maconha atua.
Um dos medicamentos fruto dessa linha de pesquisa, o Rimonabant, já foi retirado do mercado, devido aos efeitos colaterais. Até hoje há poucos estudos controlados, com amostras pequenas, e resultados que não superam o efeito das substâncias tradicionais, que não causam dependência.
Estados americanos aprovaram leis descriminalizando o uso pessoal de maconha, que é distribuída sem controle de dose e qualidade.
Contradição enorme, pois os médicos são os "controladores do acesso" para uma substância ainda sem comprovação científica.
De outro lado, orientam os pacientes sobre os riscos do uso de tabaco. Deve-se relembrar que os estudos versam sobre possíveis efeitos terapêuticos de uma ou outra substância encontrada na maconha, não sobre a maconha fumada.
Os pesquisadores brasileiros interessados no tema devem realizar mais estudos por meio das agências já existentes, principalmente diante do último relatório sobre o consumo de drogas ilícitas feito pelo Escritório para Drogas e Crime das Nações Unidas, que aponta o Brasil como o único país das Américas em que houve aumento de apreensões e consumo da maconha.
E se, no futuro, surgir alguma indicação para o uso medicinal da maconha, o processo de aprovação, que ainda não atingiu os padrões de excelência, deve contextualizar esse cenário, assim como o potencial da maconha de causar dependência.
Espera-se que a política nacional sobre drogas seja redirecionada em caráter de urgência, pois enfrenta-se também aqui o aumento das apreensões e consumo de cocaína e crack, que exige muitos esforços e recursos para sua solução.
Que nem pesquisadores nem nossa população se iludam de que exista hoje uma indicação terapêutica para utilizar maconha aprovada pela ciência.
RONALDO RAMOS LARANJEIRA é professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (Inpad/CNPQ).
ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES, doutora pela Unifesp, é pesquisadora do Inpad/CNPQ.
(Publicado na Folha de São Paulo, coluna Tendências e Debates, de 22 de julho de 2010)
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